sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Uma outra comunicação é possível!

Por Camila Marcarini¹

Atualmente os movimentos sociais são cada vez mais chamados à mobilização. Cada vez mais o capitalismo apresenta suas faces cruéis. Vivemos em dias que direitos humanos retrocedem a olhos vistos e que caminhamos para um grande abismo entre o que vemos e o que fazemos diante da realidade. A alienação e o consumo andam juntos, apoiados pelos monopólios da comunicação e informação que servem a interesses de grandes grupos empresariais.

Não é de hoje a mobilização dos movimentos em torno dessa pauta, principalmente nesse período que são inexistentes os avanços nas demandas dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação. Devemos retomar a luta pelo acesso a informação, a luta para democratizar culturas e vozes.

São necessárias mudanças significativas na política do governo para o setor e a criação de mecanismos de controle público dos veículos de comunicação. Além disso, temos que acabar com a renovação automática de concessões, sem critérios, avaliação e transparência. O Estado não fiscaliza as concessões dadas aos grandes grupos, que as utilizam cada vez mais como moeda do mercado, como espaço para lucro, para veiculação de propagandas e entretenimento. Esses mesmos veículos auxiliam no fortalecimento da mercantilização das mulheres, vendendo seus corpos, estimulando o consumismo e a busca desenfreada por esteriótipos de beleza. Outro importante elemento é a concentração de diferentes mídias para poucos grupos. Atualmente, a mesma empresa de comunicação dona de jornal, também é dona de TV, rádio, provedores de internet, livros, etc. A partir disso, temos um “padrão de comunicação”, além da informação que se ouve, escuta e lê estar com o mesmo formato e idéias. Essa concentração acaba facilitando também a criação e consolidação dos monopólios, que acabam comprando jornais menores, causando a perda cada vez maior de referências locais de comunicação.

Na história do Brasil os veículos de comunicação não tiveram apenas intervenção cultural, entretenimento e lazer, mas também política. Muitas concessões foram oferecidas nos tempos da ditadura militar. As maiores empresas da área são ligadas a poucas famílias como, por exemplo, as Organizações Globo da família Marinho, Grupo Folha de SP/UOL da família Farias, Abril dos Civita, entre outros. Esses por sua vez ramificam-se pelas regiões e estão ligadas ao velho “coronelismo” do país, como os Jeressati no Ceará, a família Magalhães da Bahia, Collor de Mello de Alagoas e os Franco de Espírito Santo.


O impacto do TV digital

A eleição de Lula criou grande expectativa para os movimentos que sempre buscaram a garantia da comunicação como direito do povo, da superação do atual sistema e a construção de um mundo justo e fraterno, que não mercantilize toda a produção cultural e de entretenimento. A presença de Hélio Costa no Ministério da Comunicação representa um atraso na democratização da comunicação. Vimos nos últimos tempos à manutenção das políticas de concessão, o aumentou da repressão às rádios comunitárias, a falta de regulamentação dos meios privados. Por outro lado, acompanhamos novidades como a criação do Fórum das TVs Públicas pelo ministério da Cultura e Radiobrás, a criação da TV Brasil e recentemente os sinais da TV digital. É diante dessa contradição que temos que atuar.

No último dia 02 de dezembro de 2007 acompanhamos um pronunciamento de Lula em cadeia nacional anunciando a primeira transmissão da TV digital. Essa data representa uma mudança comparável com a transmissão a cores há 35 anos, mas com certeza a TV digital será sentida mais lentamente e sua possibilidade de interação será maior.

Mas qual o impacto que a TV Digital terá no Brasil? Por enquanto muito pouco para os milhões de brasileiros. A entrada do sinal digital será gradual. Até 2013 todos os municípios brasileiros serão contemplados com o sinal digital e até 2016 ele substituirá o sinal analógico completamente. O governo federal lançou, também, linhas de crédito do BNDES na ordem de R$ 1 bilhão para incentivar a implantação da TV Digital, principalmente para subsidiar os conversores, que hoje custam de R$ 450,00 a R$ 1.000,00. Mas, como foram com os DVDs, a procura será responsável por baratear o acesso.

Centralização das concessões

Entretanto por trás da festa, do dinheiro, das matérias em TVs, dos cadernos especiais dos jornais, existem vários pontos contraditórios ou mal resolvidos sobre o sistema de TV Digital. O primeiro deles é a escolha do sistema. Para a TV Digital o sistema escolhido foi o japonês (ISDB). Para isso o Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre, comitê responsável pela implementação da TV Digital, ignorou os padrões que estavam sendo constituídos por diversas universidades brasileiras, entre elas a PUC-RS. O trabalho da PUC se concentrou em obter soluções que iam dos ajustes dos receptores até o sistema de transmissão. A justificativa oficial para a escolha do padrão japonês é o intercâmbio de tecnologia. Infelizmente houve o desprezo pelo trabalho desenvolvido ao longo de quase 10 anos de pesquisas. Quem ganhou realmente com a escolha desse sistema foram as empresas de comunicação e as empresas japonesas. As redes de TV preferiam o ISDB por ter uma maior capacidade de operação em áreas montanhosas (como o Rio de Janeiro) ou com muitos prédios (como São Paulo), isso significa que sinais mais fortes necessitam de menos antenas e logicamente menores custos. Ganham também as empresas que venderão, e “repassarão” a tecnologia para o Brasil.

Mas do outro lado perde a população. O Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações defendia uma maior participação da sociedade, a entrada de novos operadores e os estímulos ás produções regionais. Há muitos anos a televisão brasileira é asséptica. Parece que nosso país fala a mesma língua, sem sotaques, com as mesmas culturas, gostos e hábitos. A hegemonização cultural, patrocinada pelas grandes redes de televisão, sufoca as culturas regionais. Hoje a produção local é mínima e as estações estaduais são meras retransmissoras da programação das redes nacionais. Esse debate foi perdido pela sociedade na discussão da TV Digital. A escolha recaiu em beneficiar as grandes empresas de comunicação em detrimentos das emissoras regionais. A centralização das concessões impede que outras iniciativas de comunicação possam existir, pelo menos em médio prazo.

Retomar a luta

Muda hoje apenas a estética (cenários merecerão mais cuidados por que imperfeições aparecerão na tela). Muda também que a TV irá virar um shopping center (você poderá comprar produtos diretamente pela TV). Mas o que muda para que as informações fluam com mais liberdade? Para que existam mais versões sobre o mesmo fato? Por enquanto isso não faz parte da pauta das emissoras e infelizmente nem do próprio governo. A TV Digital estréia com o objetivo de fazer melhor o que ela já faz. As novelas serão mais bonitas, as partidas de futebol serão mais emocionantes (você poderá escolher com qual câmera verá um determinado lance), os filmes parecerão cinema e só. A vontade da população ainda será pouco observada e a tal interatividade não terá tantas escolhas assim.

Mas o sistema está aí e cabe a sociedade civil buscar maneiras de se inserir nele. Cabe às entidades sindicais, comunitárias, estudantis, ONGs, etc, construírem alternativas para se inserirem nessa nova onda, buscando alternativas que ultrapassem o que já é oferecido pelas grandes redes de televisão. Precisamos avança na democratização da comunicação, do controle público das concessões. Para isso é necessário que todos os movimentos retomem a luta pela democratização da comunicação no país. Precisamos lutar para a realização da Conferência Nacional da Comunicação e exigir a substituição de Hélio Costa do ministério, a mudança da política para o setor e combater a violência que as rádios comunitárias sofrem, ampliando também o debate sobre a TV digital. É hora da UNE, juntamente com a CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais), com os movimentos que lutam pela democratização da comunicação unirmos nossa luta e elaborar uma proposta de atuação na sociedade para criarmos tensão social e exigirmos mudanças.

¹ Camila Marcarini é estudante de Letras da Universidade de Caxias do Sul, diretora de comunicação da UNE e foi presidente do DCE/UCS

Quem somos?

Kizomba...

era a festa do povo negro que resistiu bravamente à escravidão. Era congregação, confraternização, resistência. Um chamado à luta por liberdade e por justiça. Kizomba era festa e resistência cultural de um povo. A festa do negro, do pobre e do índio. Era a exaltação da vida e da liberdade.

Hoje, Kizomba é também um movimento de estudantes com atuação em diversos estados do país. Somos um campo de oposição à maioria da direção da UNE. Entendemos que nossa entidade nacional e o movimento estudantil vivem, há algum tempo, um processo de distanciamento da maioria dos estudantes brasileiros que acaba por conduzi-los a uma profunda crise de legitimidade. Crise esta que somente poderá ser superada a partir de uma radical mudança na forma como o movimento estudantil se organiza hoje e não apenas com a mera alteração da direção das entidades. É uma crise de cultura política e conjuntural que afeta a todos ao atores do ME. A dinâmica que tomou conta da maioria das entidades estudantis favorece práticas antidemocráticas, burocráticas, a despolitização e o desencantamento com o movimento estudantil.

Uma outra cultura política, que privilegie, e estimule de fato, a participação política dos estudantes na construção de suas entidades, que democratize as instancias de decisão do movimento, que dialogue com demandas sempre relegadas à segundo plano, que saiba dialogar com os demais movimentos sociais é para nós um pressuposto para que a UNE e o movimento estudantil se fortaleçam e recuperem um papel mais protagonista nos grandes debates nacionais e nas disputas colocadas no atual período.

Kizomba, o nome de nossa tese, é uma referencia explicita à trajetória de resistência negra, indígena e popular desenvolvida no Brasil ao longo de nossa história. Para nós, o legado de luta de nosso povo deve ser a referencia fundamental para que o movimento estudantil se revigore, se reencontre com sua própria historia.

Kizomba é um movimento vivo, ainda em construção. Não pretendemos ter todas as repostas para o movimento estudantil. Queremos apenas que elas sejam encontradas em um ambiente democrático, participativo. Convidamos você a participar conosco desta caminhada.

Boa luta!